A herança digital - Gerir o que deixamos na rede
Enfrentemos a realidade: há uma parte da nossa vida que está online. Partilhamos experiências, armazenamos trabalho e imagens pessoais. A nuvem armazena muitas das nossas memórias. Mas o que será que sucede quando ficamos incapazes de as gerir? Foi a partir desta pergunta que Jaime Oliveira, a concluir o Mestrado Integrado em Engenharia e Gestão de Sistemas
de Informação na Universidade do Minho, desenvolveu um estudo sobre a Gestão da Herança Digital.
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ENGINews: Como surgiu a ideia do tema?
Jaime Oliveira: A ideia do tema surgiu há um ano atrás e entrou para a minha a lista de possíveis temas para tese de Mestrado. Nesse momento estava a viajar de avião e dei por mim a pensar que se me acontecesse alguma coisa de grave, milhares de fotos, vídeos, que tenho armazenado num dos serviços cloud que utilizo ficariam sem destino. Mas a escolha só ficou solidificada mais tarde, quando tomei conhecimento de casos de pessoas que infelizmente morreram em circunstâncias imprevistas. Foi o caso do ano passado de alunos da UM, e outros casos mediáticos, e em que era possível ver os seus perfis de Facebook invadidos por vários comentários. Dei então por mim a pensar, que se eu morresse não queria nada daquilo! Pretendia proteger a minha família, pois o sofrimento já por si é enorme. A ideia principal era desenvolver uma plataforma de Gestão da Herança Digital, mas através de estudos e pesquisas que realizei, pude constatar que já existe, a nível internacional, oferta nesta área, o que me fez pensar o porque de não serem muito utilizadas. Sendo assim, direcionei o meu estudo para tentar compreender se os utilizadores estão sensibilizados para este tema e o mais importante se têm conhecimento deste problema e da oferta existente. EN: A nível nacional é uma abordagem inovadora...mas a nível internacional, é um tema já discutido? JO: A nível nacional é um estudo inovador. A nível internacional é um tema que tem vindo a ser discutido e estudado e que ganhou grande relevo através de estudos de Evan Carroll, considerado um grande especialista nesta temática, já com um livro publicado. Numa vertente mais tecnológica, e como disse anteriormente, existem já plataformas de gestão da herança digital, o que demonstra já alguma preocupação e potencial mercado. Quanto aos principais provedores de serviços online, casos da Google e Facebook, este tema tem vindo cada vez mais a ganhar a sua atenção e prioridade, devido aos milhares de pedidos que recebem de todo o mundo, seja para aceder contas de emails de familiares falecidos ou para cancelar contas de perfis de redes sociais, de utilizadores falecidos. A Google disponibiliza um gestor de contas inativas, que permite ao utilizador definir o que pretende para os seus e-mails,fotos,documentos se a sua conta ficar inativa durante um período que ele próprio define. Já o Facebook lançou em fevereiro de 2015 o “legacy contact” que permite escolher uma pessoa para tratar da conta que poderá ser transformada em memorial. Contudo esta funcionalidade ainda não está disponível em Portugal. Quanto aos provedores de serviços de cloud, este tema ainda não parece ser prioritário. Contactada por mim, a Dropbox respondeu não dispor de nenhuma funcionalidade para precaver o que acontece ao conteúdo armazenado, em caso de morte do titular. É de salientar que os familiares podem vir a conseguir aceder a algum conteúdo de uma conta do seu familiar falecido, mas terá que apresentar um conjunto de documentos legais e mesmo assim a Dropbox poderá recusar. A nível nacional, a MeoCloud não oferece também nenhuma funcionalidade para o utilizador precaver o que acontece com seu conteúdo em caso de Morte. EN: Que impacto espera que o estudo tenha na sociedade? JO: Espero que ajude a sensibilizar as pessoas para um tema que considero importante e do qual muitas não tinham conhecimento. Espero também que passem a ver a sua Herança Digital da mesma forma que olham para a Herança material. Penso que nunca é demais alertar os utilizadores para lerem as políticas dos serviços online que utilizam, pois muitas vezes desconhecem-nas. No questionário tentei, além de obter uma resposta credível, fazer também com que o participante tivesse oportunidade de pensar: “Ena, tantas políticas e eu nunca li nenhuma!" A nível académico/profissional espero que abra portas a aplicações mais inovadoras e que vão de encontro ao que realmente faz falta. Espero deixar material para dar suporte a futuros estudos pois a área das tecnologias está em constante mudança. EN: O tema pode, à partida, gerar algumas reações...como tem sido o feedback das pessoas a quem apresenta o projeto? JO: Até ao momento tenho recebido feedback muito positivo, com as pessoas a dizerem que gostam muito do tema, que nunca tinham pensado no assunto e que vão olhar com outros olhos para a sua Herança Digital. Estou muito contente com adesão ao questionário, nos primeiros dias bateu as minhas melhores previsões, ultrapassando nos 3 primeiros dias mais de 150 respostas, o que demonstra o interesse das pessoas para este tema. EN: Quais são os objetivos finais do estudo? JO: O objetivo principal neste momento é reunir um conjunto de requisitos para posteriormente desenvolver uma plataforma/app, da qual um utilizador não consiga prescindir no futuro, mesmo que nunca tenha sentido necessidade ou sequer pensado em utilizar algo do género antes. Depois, como é um estudo transversal, vai permitir também responder a outras questões que também estão em aberto no estudo, casos de: - Avaliar a necessidade atual de utilização de Plataformas de Gestão da Herança Digital; - Avaliar o grau de conhecimento dos portugueses sobre Politicas de Serviços Online, e Herança Digital; - Qual o grau de interesse dos utilizadores das Redes Sociais em imortalizarem o seu “Eu digital”? - Tentar compreender se o utilizador pretende deixar a gestão da sua herança digital a , grupo de utilizadores ou preferem um bot na gestão da sua herança digital; - Avaliar as questões legais e sociais envolvidas numa plataforma deste género. Para participar no estudo basta aceder ao link: https://qtrial2015az1.az1.qualtrics.com/SE/?SID=SV_eXJ11dmBQgJZ6IJ O estudo, cuja finalidade é avaliar a necessidade de utilização de Plataformas de Gestão da Herança Digital conta com a orientação por Luís Paulo Reis e Luís Amaral. |